Como eu começaria uma seita para pets
coisa mais linda eles queimando os boletins da creche
Talvez a experiência menos individual e mais coletiva dos tempos atuais seja a vontade de compreender os bichos que moram com a gente. E não estou falando das mulheres durante as variações infernais do ciclo ou dos namorados encostados, mas sim dos animais de estimação mesmo. O que se passa na mente desses anjos quando a gente abre uma caixa vinda da China, contendo uma roupinha que imita o “coletinho da xp” e diz: olha o que a mãe comprou! Quais são os arrependimentos do canis lupus familiaris, que abandonou a vida selvagem pela creche, e agora recebe boletim por “cãoportamento”? Por que suspiram de cansaço, como se dissessem “hoje o dia foi foda”, apesar de não terem saído do sofá?
Escrevo rodeada por minhas cachorras, como os ancestrais fizeram há 500 mil anos. Se naqueles tempos duas espécies tão diferentes aprenderam a dividir o calor da fogueira e a comida escassa, agora, além das roupinhas (sendo uma de dinossauro), elas pegam a coberta, não saem da frente do aquecedor e comem ração super premium. Não compartilham seus pensamentos comigo, não falam, mas eu sei muito sobre a personalidade de cada uma. Tenho isso desde pequena, jeito com os animais. Coisa de criança do interior que pegava gato e cachorro na rua, levava pra casa e por lá ficava. Com base em toda minha vivência de menina Mogli e na observação dos bichos que retribuem meu ‘oi’ na rua, percebi que tenho bagagem suficiente para começar uma seita. De acordo com os 2 vídeos que vi no youtube, não é assim tão difícil.
Love bombing
Pra que uma pessoa aceite a conversão, ela precisa se sentir especial, baixar a guarda e confiar no líder, o que pode levar um tempinho. Que bom que eu não quero um monte de gente perto de mim, deus me livre. Agora, pra conquistar um pet, basta uma rápida observação no comportamento e demonstrar amor de imediato. É um cachorro? Ele anda pulandinho? Ao ouvir a ‘vozinha’, deitou de barriga pra cima pra receber carinho? Convertido. Outro caso, o cachorro correspondeu ao seu ‘oi’ pulando pra brincar? Ele gosta de pelúcia barulhenta ou daquele macaco que vende na Petz? Convertido. No caso de cachorrinha rebaixada, preguiçosa, (atende pelo nome de Mocca) basta abrir a porta do carro, ela abandona sua família sem olhar pra trás.
2. Alternativa revolucionária
Muitos pets não aguentam mais o tratamento de bebê reborn. Antes lobos, hoje cheio de brilho na testa, andando dentro de carrinho e comendo há anos a mesma ração. Basta uma faísca de selvageria para alimentar os antigos instintos e fazer seu Yorkshire se juntar ao meu grupo. Porque estar com as vacinas em dia é uma coisa, mas não poder fuçar o lixo do banheiro e revirar papel higiênico é demais. Proibí-los de passar a noite latindo na sacada pra cada sombra na rua? Não poder correr em direção à vizinha velha que reclama dos latidos só pra ela ficar ligada? Tirania total. Seu anjinho está apenas esperando a oportunidade de subverter o sistema.
Apego à clichês
Convenhamos, cachorros tem uma energia biruleibe, uma vibe ‘sou tão doidinha’ e o cérebro quase tão lisinho quanto peito de frango. O que é ótimo!! Já que essas criaturas merecem felicidade, nenhuma preocupação ou obrigação. Mais pracinha, menos prazos!! Por isso não seria assim tão difícil convencê-los a acreditar nisso, duvidar daquilo, quebrar uma lei, venerar os vira-latas. “Tudo acontece por um motivo” e o motivo maior é sim rolar no barro sem censuras.
Se fazer de maluco
O que teu bichinho faz quando é pego fazendo merda? Ele vai lá e recolhe a bagunça? Ele pede desculpas? Claro que não! O que eles têm de fofos, têm de falta de vergonha na cara. Pets são profissionais do cinismo quando uma almofada explode, surge cocô no lugar errado, um livro é estraçalhado ou o pão some de cima da bancada. Eles são maluquinhos e isso é útil, porque não basta entrar pra seita, é preciso seguir o esquema de pirâmide e trazer outros membros para a nossa família.
Lidar bem com comandos
Apesar de vender a ideia de liberdade total, é óbvio que toda seita precisa de alguma camada de hipocrisia. Não que um bichinho saiba o significado disso, aqui em casa, por exemplo, só conhecem as palavras “comida”, “vamo” e “tomate”. Justamente pela simplicidade e inocência desses seres, eles aceitam sentar, ficar e dar a patinha em troca de um biscrok. Dizem que para alguns cachorros, aprender novos comandos é mais estimulante e recompensador do que brincar, porque ativa novas áreas do cérebro. Isso parece um pouco papo de mãe querendo que a gente arrume a cama, mas enfim. É com a predisposição de obedecer dos pets que a gente pode começar um estrago em lojas que ainda vendem bichos, por exemplo. Depois, vamos atrás do capitalismo.
Achou estranho que gatos não foram citados? Eu também. &%¨&AS(*b BJOIlkl……….o4@!aooaoa
📚🎬 atualizações
li ‘tese sobre uma domesticação’ da Camila Sosa Villada e, apesar de um bom novelão, os caminhos que a autora escolheu me pareceram repetitivos, sempre com a intenção de chocar um pouco mais, só que falar de cu não choca tanto assim.
também li ‘os abismos’ da Pilar Quintana, outro novelão que devorei em 2 dias. Não é uma história surpreendente, o clássico problema com mãe, mas a forma como ela faz uma criança falar sobre suicídio é marcante, ácida e tãtã da cabeça. no geral, gostei.
tô na página 50 de ‘na voz dela’ da Alba de Céspedes e completamente obcecada. não vou recomendar ainda por estar muito no começo, mas está matando minha abstinência de uma tetralogia napolitana. a Alba inclusive, é muito admirada pela Elena Ferrante.
assisti o novo doc do Hayao Miyazaki na netflix e recomendo pra todo mundo que tem a criatividade como uma cachaça. tentar criar vai acabar nos matando, mas também é o que nos dá alguma alegria de viver. vida longa ao velho.
obrigada por tua leitura, nos vemos em breve :)
"depois vamos atrás do capitalismo" foi a cereja do bolo
Me diverti lendo do início ao fim. Mais pracinha, menos prazos.